sábado, maio 03, 2008

Hip-Hop é desrespeitado na virada Cultural

Por Elizandra Batista

Texto furtado do site http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=37037
03/05/2008

Mais uma vez, o hip-hop não é tratado com respeito na Virada Cultural. Lendo o Jornal da Tarde do dia 28/04 na seção variedades, vi a seguinte manchete “PM faz revista no palco de hip-hop”. Nessa notícia continha a seguinte declaração do Secretário de Cultura Carlos Augusto Calil: “Criamos condições para que o público de hip-hop, por exemplo, que tem um comportamento diferenciado, possa curtir a festa deles”.


Noite do dia 26 e madrugada de 27 de abril 2008
Desde que soube, onde seria o palco destinado ao hip-hop e a black music fiquei um tanto inquieta. Pois era no local mais afastado das outras atrações da Virada Cultural 4º edição.


Só quando cheguei ao local - Praça Cívica Ulysses Guimarães no Parque Dom Pedro, por volta das 23:40h - que pude confirmar algumas indagações.
Após sair do Terminal Pq. Dom Pedro, comecei a caminhar seguindo uma música bem distante. Passei por um corredor super escuro, cercado de grades, como se estivesse indo para uma armadilha ou um labirinto. Só continuei por verificar que havia um fluxo considerável de pessoas, indo para essa mesma direção.
Entrei em choque, quando vi uma fila de irmãos e irmãs, na sua maioria negros, sendo revistados por um número elevado de policiais militares. Não era permitido entrar com bebidas de qualquer natureza, nem mesmo água.


O local era pouco iluminado, cercado por grades e preenchido por policiais estrategicamente posicionados para agir, com suas viaturas com as portas abertas e faróis acessos. A cavalaria também se fez presente para “capturar um possível fujão que se embrenhasse mata adentro”.



O local foi denominado de “Baile Chique”, um tanto contraditório com o ambiente escolhido para inserir essa atividade. Deve ser uma abreviatura de chiqueiro, ou seja, lugar imundo.



No momento que cheguei próxima do palco, o lendário Pepeu estava cantando suas músicas e o público acompanhando em coro.
A próxima apresentação foi do grupo DMN, que iniciou com a música Racistas Otários do Racionais Mc’s: “(...)Racistas otários nos deixem em paz... Os poderosos são covardes desleais, espancam negros nas ruas por motivos banais. E nossos ancestrais, por igualdade lutaram, se rebelaram, morreram. E hoje o que fazemos? Assistimos a tudo de braços cruzados, até parece que nem somos nós os prejudicados. Enquanto você sossegado foge da questão, eles circulam na rua com uma descrição que é parecida com a sua: cabelo, cor e feição. Será que eles vêem em nós um marginal padrão?...”

Essa letra trazia o desabafo encurralado do público, que a recebeu com as mãos pra cima e cantando junto. Depois o grupo cantou suas próprias composições.
Em seqüência, o DJ Hum assumiu as pick’ups com diversas canções que recordava os grandes bailes black’s.

Por um bom tempo, nenhum grupo subiu e a tão esperada Banda Black Rio atrasou por aproximadamente duas horas.

Se o clima do ambiente no inicio era tenso, se tornou hostil percebia-se uma movimentação e aproximação muito intensa por parte da polícia. Sobe ao palco a Banda Black Rio que cantou algumas músicas. Na metade do show, o vocalista citou que ainda temos censura e ouvi o nome do grupo Racionais Mc’s. Como o som não estava nítido, imaginei que fosse a participação do Brown, mas ninguém entrou no palco e minha frustração cresceu quando a banda encerrou a apresentação.

O público dispersou e saiu da jaulinha dos pretos. Fui aos outros locais, mas nenhum chegava perto da recepção que tivemos, pouco policiamento, som de boa qualidade, bebidas circulando sem limites, o chão asfaltado, etc.
Fiquei um pouco no samba, mas para esperar circulação dos ônibus pra minha



quebrada. Não tive mais vontade de prestigiar um evento que não respeita os meus iguais.

Não é a primeira vez que o hip-hop recebe tratamento inferiorizado em relação aos demais estilos musicais, por parte da organização da Virada Cultural. Freqüento este evento desde 2006, na 2ª edição no qual homenageava os 20 anos de hip-hop na São Bento. Todos os outros gêneros tinham palcos grandes e equipamentos de som com excelente qualidade, para o hip-hop restou uma tenda que era usada como camarim pelos demais e de presente um som de péssima qualidade.



Em 2007, na 3ª edição do evento, só vou acrescentar que quando começou a ter rap no palco na Praça da Sé, a polícia começou a aparecer em grande número, o som ficou ruim e os telões foram desligados. O resto todo mundo está cansado de saber.



O que será que nos espera para a 5ª edição? Continuaremos passivos participando de atividades que não nos contempla e nos marginaliza, assistindo assim mais um capítulo desse preconceito institucionalizado?

Após Virada Cultural, 4ª edição 2008....

Balanço Rap- 105 FM – 27/04/2008
Meu domingo foi melancólico e com sentimentos de revolta, que só aumentou a noite ao ouvir o Balanço Rap. Ice Blue, integrante do grupo Racionais Mc’s relatou que o Ministério Público proibiu a participação de Mano Brown no show da Banda Black Rio. Mas não mencionou a acusação e até o momento não foi falado mais nada a respeito.


Leia também matéria na Revista Fórum: Apartheid: espaço negro é discriminado e vigiado na Virada Cultural, por: Dennis de Oliveira.
Professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, jornalista, doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, presidente do Celacc (Centro de Estudos Latino Americanos de Cultura e Comunicação) e membro do Neinb (Núcleo de Estudos Interdisciplinares do Negro Brasileiro).
http://www.revistaforum.com.br/sitefinal/NoticiasIntegra.asp?id_artigo=2764



Elizandra Batista de Souza, 24 anos, poeta, estudante de jornalismo do Mackenzie, redatora da Agenda Cultural da Periferia - Ação Educativa e poeta.

Um comentário:

Sentimento de Fúria disse...

Salve Elizandra...
Saiba que esse sentimento de revolta com toda a tiração da ultima virada é sentido por vários outros que estiveram presente e viram mais uma vez qual é o lugar e a visão que o Estado tem dos jovens negros,da periferia e do nosso estilo musical.
Compartilhamos desse sentimento de revolta mais também de uma crença em que a periferia, os jovens negros e a nossa música tem seu valor e que temos nossos espaços onde issoé valorizado.

Abraço