sexta-feira, fevereiro 26, 2010

Diretor fala sobre "Preciosa"




Lee Daniels durante as filmagens de "Preciosa"

Por Fernanda Ezabella, enviada especial a Los Angeles
http://ilustradanocinema.folha.blog.uol.com.br/


Lee Daniels, 50, é diretor de “Preciosa - Uma História de Esperança”, que chega hoje aos cinemas após ser indicado a seis Oscars, incluindo filme e direção. Ele é mais conhecido como produtor. Trabalhou em “A Última Ceia” (2001), vencedor do Oscar de atriz para Halle Berry, e “O Lenhador” (2004), com Kevin Bacon.
Sua estreia na direção aconteceu com o pouco comentado “Matadores de Aluguel” (2006), seguido de “Preciosa”, um conto de fadas do avesso, sobre uma adolescente cheia de problemas, analfabeta, obesa e mãe de dois filhos, resultado do estupro do pai. Entre cenas violentas, a personagem sonha com um mundo de glamour.
O filme é baseado no livro da autora americana Sapphire, “Push”,publicado nos anos 90.
Daniels é o segundo afro-americano a ser indicado ao Oscar de direção. E o primeiro a dirigir um filme indicado à estatueta de melhor filme.
Confira a seguir a entrevista com Lee Daniels. Ele fala como é ser gay na indústria do cinema, sobre Obama ser um grande cara, como é trabalhar com Lenny Kravitz e Mariah Carey, entre outros assuntos.
FOLHA - Li que até Madonna tentou comprar os diretos do livro de Sapphire para fazer um filme e não conseguiu. Como você fez para convencê-la?
LEE DANIELS - Sapphire viu um filme que eu fiz, “Matadores de Aluguel”, com Helen Mirren e Cuba Gooding Jr., e gostou. Mas eu a persegui por muitos anos. Acho que ela se cansou de me ver na cola dela e apenas desistiu. Eu liguei todos os dias, durante nove anos!
FOLHA -O que te chamou a atenção no livro?
DANIELS - Foi essa verdade brutal, como se alguém tivesse me dado um murro no estômago. Nunca tinha lido algo tão verdadeiro como isso.
FOLHA - O filme é bastante pesado, mas o livro consegue ser ainda mais duro. Como você decidiu o tom do filme?
DANIELS - Achei que o tom do filme tinha que ser... Veja bem, o público tinha que respirar. No livro, tantas coisas horríveis acontecem com ela, é pornográfico, eu não poderia filmar tudo. Por isso criei esse mundo de fantasia [quando ela sonha que é famosa], o que realmente ajuda o público. A gente precisa respirar depois de ver algumas das coisas que se passam no filme, é preciso tempo para digerir algumas cenas. Então acho que o humor, o riso, ajudam a digerir a devastação que estamos testemunhando.
FOLHA - A Sapphire participou do processo de adaptação e filmagens?
DANIELS - Não. Ela ajudou um pouco no roteiro, deu algumas sugestões. E ela é um extra no filme também, achei que isso me traria um pouco de boa sorte.
(atenção! spoilers)
FOLHA - Quem é ela no filme?
DANIELS - Bem antes do final, quando Precious deixa seu bebê com uma pessoa na creche antes de ir encarar a mãe. Sapphire é essa mulher da creche.
FOLHA - E como você encontrou Gabourey Sidibe [atriz estreante que faz Precious, indicada ao Oscar de atriz]?
DANIELS - Eu entrevistei umas 500 meninas. E Gaby apareceu e foi incrível, amor à primeira vista. Ela é tão esperta. As outras meninas também eram preciosas, mas...
FOLHA - Gabourey disse numa entrevista que o filme traz muitas mensagens, mas que a maior delas é “esperança”. Você concorda? Qual a principal mensagem para você?
DANIELS - Aprender a amar a si mesmo. Porque você vê, Mary [a mãe abusiva interpretada por Mo’Nique, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante] se amava no começo. Ela nunca teria feito mal a Precious. Mas Mary é uma vítima também.



FOLHA - E com uma história tão pesada assim, como era o clima no set de filmagens?
DANIELS - Ah, era maravilhoso, como uma festa. A gente dançava, ria. Mariah Carey cantava, Lenny Kravitz tocava guitarra. Era muito amor. [Carey interpreta uma funcionária do serviço social, e Kravitz, um enfermeiro]
FOLHA - E como foi convencer Mariah Carey a filmar sem maquiagem alguma? [numa entrevista à revista “Empire”, Gabourey disse que Carey reclamava todo os dias]
DANIELS - Não, não foi problema, ela me deu tudo o que eu queria. Confiou em mim.
FOLHA - E como aconteceu o convite para ela fazer o filme?
DANIELS - Helen Mirren ia fazer seu papel, mas ela conseguiu outro trabalho e me ligou. E Mariah Carey me ligou três horas depois e eu disse: “Não posso falar agora, estou trabalhando”. E ela: “Em quê?” E eu: “Push”. E ela: “Oh, eu conheço esse livro”. Aí eu liguei para Helen de volta e perguntei o que ela achava de Mariah. E Helen disse: “Eu acho que é uma grande ideia, porque se eu fizer, é esperado; mas se Mariah fizer, é inesperado. Vai fundo”.
FOLHA - E com Lenny Kravitz? Ele é meio que um alter ego seu no filme, já que você trabalhou com enfermeiros no passado? [Daniels criou sua própria agência de enfermagem aos 21 anos e depois a vendeu por US$ 2 milhões e foi ser produtor de cinema]
DANIELS - Não, nunca pensei nisso antes, mas é interessante. Talvez de uma forma inconsciente? Mas Lenny e eu somos grandes amigos. Foi apenas confiança. Ele nunca tinha lido o livro. Eu liguei, disse que tinha um trabalho para ele, e ele veio. Disse que seria uma honra.
FOLHA - Os filmes que você dirige ou produz têm sempre um tema pesado. Por quê?
DANIELS - É inconsciente, eu sou muito atraído a essas coisas a cada filme que passa. Não planejo fazer filmes obscuros, você sabe... Mas, de alguma maneira, isso acaba acontecendo. Eu não entendo, fico confuso, não tenho a resposta.
FOLHA - E sobre o que será seu próximo filme? Li que você vai rodar “Selma”, sobre as manifestações em 1965 pelos direitos civis dos negros. É verdade?
DANIELS - Pode ser “Selma”, talvez. Não me sinto confortável para falar disso, estamos muito no começo. Na verdade, estou desenvolvendo várias coisas: um musical sobre drag queens, vou dirigir “Miss Saigon”. “Selma” é um projeto muito importante, mas odeio ficar falando de coisas, de ficar zicando. É como falar de Oscar. Não gosto de zica. Me deixa muito nervoso, entende?
FOLHA - Mas é verdade que Robert De Niro estaria no elenco de “Selma”?
DANIELS - Robert De Niro é um grande amigo meu. Estamos negociando para fazer um filme juntos. Não sabemos ainda qual.
FOLHA - E o que mudou na sua percepção de diretor com esse segundo filme?
DANIELS - Eu mudei como homem, eu cresci. Acho que em cada filme você cresce [...] Lembro que eu estava na Espanha com meu namorado e nós fomos ao cinema, era o lançamento de “Matadores de Aluguel” [2005]. Meu namorado não queria ir, ele realmente queria deixar esse filme para trás, mas eu queria ver meu filme em outro país, sabe? Você acredita que eu e ele éramos os únicos dentro do cinema, na noite de estreia? Essa foi, sem dúvida, uma experiência horrível.
Mas eu amo todos os meus filmes. Amo “Preciosa” tanto quanto “Matadores” [...] Se eu faço as coisas diferentes hoje? Não sei, talvez, mas eu era outro cara então. Se fosse um diretor italiano fazendo “Matadores”, seria outro filme completamente diferente.
FOLHA - E como a comunidade negra nos EUA recebeu “Preciosa”?
DANIELS - Eles amaram. Mas não me pergunte sobre aquele único indivíduo que odiou, que disse tudo aquilo. É sobre isso que você vai perguntar agora?
FOLHA - Não, mas o que aconteceu? [entre muitas críticas positivas, o filme recebeu algumas negativas, afirmando que “Preciosa” retratava os negros de forma muito depreciativa]
DANIELS - Tem um cara que ficou chateado, que diz que a gente faz com que pessoas negras apareçam de forma não muito positiva. E os jornais publicaram isso, com esse único cara falando. Mas, você sabe, as pessoas sabem da verdade. E acho que essa é a razão dos afro-americanos terem abraçado este filme com amor. E, para minha surpresa, o universo abraçou o filme. Pessoas de todas as cores e credos abraçaram o filme.
FOLHA - Você costuma falar abertamente sobre as dificuldades que passou na infância, sobre seu pai abusivo, sobre seu uso de drogas [que o levou a ter um ataque do coração]. Você também não tem problemas em falar que é gay. Isso tudo, essa franqueza, é uma coisa rara na indústria do cinema, não?
DANIELS - Não acho que seja uma coisa rara. Não sei por que as pessoas acham isso uma grande coisa sobre mim. Todos os meus amigos são abertos [em ser gay], como Tom Ford, que fez “Single Man”, Andre Leon Talley, editor da “Vogue”. Todas essas pessoas estão fora do armário, felizes.
FOLHA - Mas eu estava falando da indústria do cinema, não do povo da moda.
DANIELS - Acho que a maioria deles é gay [na indústria do cinema]. Eles só não querem sair do armário. Mas a vida é muito curta para viver uma mentira. E Deus me perdoe se alguém descobrir algo sobre mim e escrever sobre isso. Não! Aqui está toda a minha merd***, não tenho nada para esconder, entende?
FOLHA - E o que você está achando da administração Obama?
DANIELS - Sinto que ele está mudando o mundo. Como ele disse antes, a mudança leva tempo. Acho que as pessoas estão esperando pacientemente. Pelo menos os democratas estão. Acho que ele fez coisas incríveis, cometeu alguns erros, mas ele reconheceu seus erros, o que o faz um homem único e maravilhoso.
FOLHA - Mas há uma certa decepção com ele, não se pode negar, não?
DANIELS - Sabe de uma coisa? Ele percebeu que... Ele não era presidente quando ele fez aquelas promessas de campanha. Informação não era dada a ele, porque ele não fazia parte do circo, da bolha. Então, foi difícil para ele fazer previsões.

Clariô: Cinbecos e NCA

Em 2009, CineBecos e NCA participaram do Quintasoito do Espaço ClariÔ, em Taboão da Serra - SP.
Dê uma conferida no vídeo.


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