quinta-feira, maio 25, 2006

CHACINA NO CAPÃO REDONDO

Jornal Brasil de Fato

Polícia foi autora de chacina no Capão Redondo, afirmam moradores

Dafne Melo e Tatiana Merlino da Redação

Apesar do frio, Maurício Assis de Menezes veste apenas calça jeans e camisa azul. São 2 horas da madrugada de terça-feira, dia 16, no centro do Capão Redondo, Zona Sul de São Paulo. Acompanhado de seis colegas, o jovem de 28 anos abre o portão do bar de sua família - onde trabalha - para desenroscar as lâmpadas que iluminam a lanchonete, também familiar, que fica bem em frente ao bar.

Maurício mal tem tempo de chegar à barraca de lanches quando ouve: "Mãos na cabeça. Polícia!" Em seguida, começam os tiros. Sem expressar reação, enfileirados e de costas, todos são metralhados por homens vestidos de roupas escuras e gorro.

Horas antes, ainda na tarde de segunda-feira, mesmo após ouvir as notícias da televisão sobre os ataques da organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) em toda a cidade, a família Assis de Menezes não tem medo. Mantém o seu comércio aberto. Acreditam que como o alvo da polícia são os criminosos do PCC, não terão problemas. "A gente confiava na polícia", diz o pai de Maurício, com uma foto da família nas mãos.

Por volta das 23 horas, o que chama a atenção dos donos e freqüentadores do bar é um carro Fiat Palio preto com vidros fumé, que passa levando homens com capuzes. O carro passa vagarosamente em frente ao estabelecimento, junto com três carros da Polícia Civil, dois deles da marca Blazer. Marcos*, um dos irmãos de Maurício que também trabalha no bar da família, ao ver o carro suspeito, vira-se para os colegas e brinca: "Tá vendo esse carro preto aí atrás? É só para matar".

Portas fechadas
Assustados, os irmãos resolvem fechar o bar, mas os clientes, com medo, não tem coragem de ir embora e resolvem ficar mais tempo dentro do estabelecimento, já com as portas fechadas. Cerca de três horas depois, os clientes resolvem voltar para casa, e Maurício lembra que deixou as luzes da barraca acesa. Junto com ele, está Edson, funcionário da lanchonete, que trabalha há cinco anos para a família. Antes de ser assassinado, o jovem de 22 anos coloca em cima do balcão da barraca dois sanduíches que levaria para casa.

De dentro do bar, Marcos ouve "Mãos na cabeça. Polícia!". Olha pela janela e vê quatro homens. Desce correndo para dar assistência ao irmão e explicar que “são todos trabalhadores”, mas é tarde demais. Os tiros já haviam começado. “Acho que foram mais de 30”. Imediatamente, vai novamente à janela. Os agressores não estão mais lá.

Pedidos de ajuda
“Desci para procurar meu irmão. Todos meus amigos me pedindo ajuda: 'me ajuda, tá doendo demais'. O Edson dizia: 'tá doendo demais, não me deixa morrer'. Todo mundo gemendo. O Renato tentava levantar e pedia ajuda. Meu desespero era procurar meu irmão”, conta Marcos, que encontrou Maurício já morto atrás da barraca.

Marcos conta que em menos de dois minutos, 12 viaturas do 37º Batalhão da Polícia Militar chegaram no local. “Chegaram socorrendo e começaram a recolher as cápsulas. Foi tudo muito rápido”. De acordo com a lei, quando há vítimas fatais, a polícia não pode alterar a cena do crime, mas deve aguardar a chegada da polícia científica para dar início à perícia. O procedimento, entretanto, não foi observado neste caso. De acordo com Marcos, também não foi colhido nenhum depoimento no local.

Em conversa com o irmão de Maurício, os policiais militares disseram que o ataque poderia ter sido feito por criminosos do PCC. No entanto, as testemunhas duvidam. “Se eles eram do PCC, como o Palio preto ia estar logo atrás dos carros da Polícia Civil? A não ser que eles fossem loucos”, ironiza. Ainda de acordo com testemunhas, durante a chacina, o Palio preto estava estacionado próximo ao local do crime, e os carros da Polícia Civil um pouco mais à frente, mas na mesma rua.

Na manhã seguinte, policiais do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) foram ao local do crime. Dos sete moradores que foram atacados, cinco morreram e dois sobreviveram. Questionados pela reportagem do Brasil de Fato, a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública afirmou que a chacina ocorrida no Capão Redondo não entrou para as estatísticas ligadas às ações do PCC ou da polícia. Foi considerada como um crime comum na cidade de São Paulo. A secretaria disse informou que um inquérito foi aberto no DHPP, mas que, para resguardar as investigações, não se pode informar qual o seu andamento. A Secretaria ainda afirmou que em casos como este, testemunhas devem fazer a denúncia na Ouvidoria da Polícia.

Mortes sem explicações
Reportagem da Folha de S. Paulo, do dia 21, mostrou que os casos de mortes à bala diretamente relacionados com a onda de violência desencadeada pelo PCC na semana passada em todo o Estado foi de 138 mortes.


Somando-se o número médio de mortes que a capital e Grande São Paulo apresentam em 5 dias, 65 mortes, “sobrariam” 69 mortes a serem esclarecidas pelo governo. O fato, entretanto, entra em contradição com declarações feitas pelo comandante-geral da Polícia Militar de São Paulo, Elizeu Eclair Teixeira de Borges.
Segundo ele, a criminalidade rotineira, sem ligação com o PCC, havia caído cerca de 50% desde que começou a onda de atentados. Borges ainda afirmou que nenhum dos mortos em confronto com a polícia desde o início dos ataques do PCC era inocente.
De acordo com familiares, amigos e testemunhas, nenhuma das vítimas da chacina do Capão Redondo tinha relações com o PCC, nem passagem pela polícia. Os familiares de Maurício e testemunhas não souberam informar o nome completo das outras vítimas fatais. Três delas foram identificadas pelo primeiro nome e apelidos e outra foi identificada apenas pelo trabalho que fazia na região.

Os mortos

Maurício Assis de Menezes, caçula de quatro irmãos, era um rapaz pacato, quieto, de poucas palavras. Trabalhava no bar da família desde os 14 anos. Saía pouco e gostava de alugar filmes para assistir em casa. A última vez que saiu para passear, foi a um churrasco na casa da mãe da namorada, no domingo, Dia das Mães. A namorada, grávida de dois meses, perdeu o bebê no dia seguinte em que Maurício foi assassinado. A morte do rapaz chocou amigos e a vizinhança, “porque ele era o cara mais tranqüilo da região”, dizem testemunhas.

Edson, conhecido pelos amigos como “Jaca”, tinha 22 anos, era casado e tinha dois filhos. Trabalhava na lanchonete da família Menezes há cinco anos. Fanático por futebol, não perdia um jogo do seu time São Paulo Futebol Clube. Brincalhão, adorava dar apelido para todo mundo que passava pela barraca de lanches.

Renato, conhecido como “Brigadeiro”, tinha cerca de 35 anos. Trabalhava com artesanato e adorava ir à praia. Todos os anos, vendia flores durante o Dia das Mães. Tinha dois filhos. Um menino de 8 e uma garota de 19. Fã de teatro, sempre levava o filho a espetáculos gratuitos no centro da cidade.

Davi era pouco conhecido das testemunhas, que apenas sabem que o rapaz trabalhava como motoboy. As testemunhas não sabem o nome da quinta vítima. De acordo com elas, era um senhor de idade avançada que trabalhava como catador de material reciclável no bairro do Capão Redondo

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