quarta-feira, outubro 24, 2007

A PERIFERIA COMO AUTORA DE SUA IMAGEM




O cinema sempre foi uma coisa de curioso, bisbilhoteiro. Os dois irmãos lá, os Lumiére, pegavam as câmeras e saiam para filmar outros paises. Pessoas passeando pra lá e pra cá, costumes, culturas. Era isso, o olhar viajante na cara de quem nunca tinha tirado os pés, muitas vezes, do seu próprio bairro, ou como no Nanook - o esquimó, um documentário que encena a vida do herói que vive no gelo, o dono da câmera quer saber da vida do cara que mora num lugar tão frio e se a vida de quem mora no gelo for sem sal e açúcar, não tem problema, o cara da câmera dá uma ajeitadinha aqui, outra ali, vem daqui, vai prá li.

Perfeito!

A realidade sempre foi vista e interpretada através de filtros, sempre foi uma representação. No cinema? Vixi!

A coisa começou a ficar preta mesmo, ou melhor, branca até demais, quando um sujeito, o Griffith, também resolve fazer cinema, e o cara fez uma coisa com começo e fim, tudo separadinho, arrumadinho, pronto para enlatar. De quebra, sua representação da realidade sustentava o Nascimento de uma nação, uma nação branca, até a alma, e superior a qualquer tipo de gente. O cinema de Griffith é uma homenagem aos racistas dos Estados Unidos e em especial a Ku-Klux-Klan, aqueles caras de capuzes brancos que queimavam negros na fogueira aos pés da cruz nos Estados Unidos.

Fato é que o cinema enlatado do Griffith até hoje é o sucesso de Hollywood.

E o que a periferia tem haver com isso?

A periferia sempre manteve uma sintonia direta com algumas das linguagens presentes na Semana de Arte Moderna da Periferia, a literatura com o cordel, com o rap, com a embolada, com teatro, com a pintura. Nossa, a parada vai longe.

Mas no caso do cinema e das outras linguagens audiovisuais o buraco é mais embaixo. Quase sempre autores extremamente longe da periferia, embora na maioria das vezes esse seja o alvo, as realizações não são nada populares.

Assim como Griffith até hoje é vendido e utilizado como estrutura de ficção cinematográfica para quase todo o mundo, os Nanooks também estão aí.

Nós, a periferia, somos um dos esquimós da vez, os exóticos, a nação a ser interpretada, o objeto de estudo do ditador da câmera.

Mas e se..., unmn, e se os esquimós agora quisessem e pudessem deixar de serem o objeto de análise, pudessem deixar de serem o resultado das interpretações e serem o agente representativo o cinema seria diferente?

A película é extremamente cara, mas será que através do vídeo e demais tecnologias mais baratas outras representações podem surgir fugindo de grandes estereótipos, seja no cinema ou na TV? Será que realmente poderemos fazer o cinema sambar?

Bom, estamos aí, metendo as caras! Uma produção da margem que não é do Cinema Marginal e que uma das fomes é a da estética, da linguagem, da possibilidade.

Rogério Pixote

Nanook, o esuimó é um documentário filmado por Robert Flaherty com esquimós canadenses em 1922.

O Nascimento de uma nação, D.W. Griffith, 1915

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